Interessa-nos a transformação da mestiçagem na ideologia de Estado que baseará a construção nacional a partir dos anos 30.
Uma nação unitária e progressista nos trópicos, partindo-se de grupos populacionais tão heterogêneos quanto exescravos e seus descendentes, os diversos povos indígenas, imigrantes de diferentes origens e “mestiços” de todos os tons.
São conhecidas as projeções demográficas de Vianna (1923), segundo as quais as misturas raciais sucessivas levariam ao crescimento permanente do percentual de sangue ariano na população e à conseqüente dominância das características fenotípicas européias.
Graças à sua história, entre o ocidente e o oriente, a África, a Europa e a Ásia, os portugueses seriam portadores de três características fundamentais:
- miscibilidade,
- mobilidade
- e adaptabilidade climática.
- portugueses de se fundirem biológica,
Freyre destaca sobretudo a contribuição das índias, as quais teriam, ao lado de muitas especialidades culinárias, legado à cultura brasileira seu
- sentido de limpeza,
- sua disposição para o trabalho
- e sua estabilidade emocional.
- indisciplina,
- a compulsividade
- e o desrespeito pela propriedade privada.
- a alegria vital,
- a flexibilidade
- e o “jogo de cintura”,
Essa “brasileiridade”, monocultural em sua mesticidade, conforme Freyre a concebeu, encontra sua correspondência política mais perfeita na Campanha de nacionalização levada a efeito por Vargas a partir de 1937 e tendo à frente de sua concepção e sua implementação setores importantes das Forças Armadas.
A mestiçagem, como ideologia de Estado, deixa de existir no Brasil contemporâneo, verificando-se que elementos essenciais desse construto político são crescentemente colocados em questão.
Etnicização de muitas identidades políticas, vertiginoso crescimento do associativismo étnico, um novo direito indígena que pressupõe não mais uma paulatina assimilação dos grupos indígenas mas a permanente preservação de suas formas de vida.
Desde a chegada dos portugueses ou espanhóis no continente, os processos culturais que têm lugar na América Latina seriam marcados pela diluição das fronteiras entre tradição e inovação, cultura erudita e cultura popular, marcas nativas e alienígenas.
Os processos que ocorrem no contexto brasileiro contemporâneo são antes caracterizados pelo esforço de diferenciação e afirmação das particularidades culturais que pela fusão cultural. Trata-se do esforço político de separar as diversas partes daquilo que, na esteira de constituição da nação, se construiu como cultura nacional mestiça.
Guimarães defende, por isso, uma intervenção estatal que promova a construção e consolidação de uma identidade negra, devendo-se reforçar, através de uma política de incentivos, a assunção pelos afro-descendentes da origem africana, de tal sorte que se crie uma sobreposição entre cor da pele e conformação étnica. Por esse meio, os grupos populacionais afro-descendentes deveriam ser encorajados a construir os laços de pertença desfeitos no curso da diáspora africana ou impedidos de se formar dada a vigência da política assimilacionista.
Dado um passado prolongado de injustiça e discriminação, a escolha da identidade cultural não pode ser considerada como questão pré-política, afeita exclusivamente à esfera pessoal. Parece caber nesse caso ao Estado a tarefa de promover determinadas formas culturais que a história da hegemonia branca desautorizou como primitivas e ultrapassadas, encorajando a pertença étnico-cultural.
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